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Conversar sobre sentimentos

14 de setembro de 2020

No texto anterior refletimos sobre o desafio e a importância de “ouvir” para que a comunicação familiar aconteça da forma mais assertiva e construtiva para todos os membros da família. Aprender a ouvir o outro, especialmente quando ele é uma criança ou adolescente, representa um exercício diário em que precisamos nos desapegar da necessidade de um suposto controle sobre este outro, permitindo que ele se expresse e não interpretando as diferenças de pensamento que venham a aparecer como ameaças à nossa autoridade. Nem sempre precisamos discutir quem tem a razão. Muitas conversas podem ocorrer simplesmente a partir da escuta mútua e da busca por compreender o ponto de vista do outro, considerando seus sentimentos, sem que haja a definição de onde está a “verdade”. 

Dando continuidade ao assunto, hoje gostaria de promover uma reflexão sobre a importância de desenvolvermos na família, especialmente em nossas crianças, a capacidade de identificar, nomear e expressar seus sentimentos. Se para um adulto já pode ser difícil colocar em palavras aquilo que sente, imaginem para uma criança, que está em fase de ampliação de seu conhecimento de mundo e do seu repertório de vocabulário! Se desejamos que nossos filhos desenvolvam maior sensibilidade, flexibilidade de pensamento e assertividade em suas mais diversas relações, precisamos ajuda-los a melhor compreender e lidar com suas próprias emoções. Mas como fazer isso? 

O principal caminho é dedicar especial atenção ao modo como as pessoas se sentem nas mais diversas situações vividas pela família. Quando as crianças são muito pequenas, os adultos podem interpretar as expressões de seus sentimentos e traduzir estas percepções em palavras, para que a própria criança vá escutando e associando sua experiência emocional àquele conjunto de termos. Podemos dizer, por exemplo: “você está sentindo raiva porque queria brincar por mais tempo e não pôde…”; “você está sentindo dor, porque bateu a cabeça e é muito ruim quando isto acontece…”; “percebo que você está muito ansioso porque seu aniversário se aproxima… é natural sentir ansiedade quando algo que desejamos muito está para acontecer…”. Estas e outras frases precisam ser incorporadas em nosso cotidiano, mesmo entre os adultos, mas principalmente com os pequenos, pois dessa forma eles irão ampliando sua capacidade de identificar e nomear sentimentos. 

Quando este hábito já estiver mais incorporado na família ou quando as crianças já estiverem maiores, podemos passar a questioná-las sobre o que sentem, pedindo para que se expressem. Na maioria das vezes isto só é possível quando elas já estão mais calmas, ou seja, quando o pico da emoção já passou. Afinal, é muito mais difícil conversar sobre nossos sentimentos enquanto ainda estamos vivendo uma emoção muito forte. Quando a criança conseguir nomear e falar sobre o que sente, mesmo que de forma não tão completa ou madura, é fundamental que possamos valorizar e demonstrar aceitação e compreensão, ainda que tais emoções tenham sido desencadeadas durante o estabelecimento dos limites. Exemplo disso acontece quando a criança nos diz: “eu senti raiva porque você não me deixou continuar brincando!”. Nesta ocasião, é possível sermos acolhedores sem abrirmos mão das regras. Podemos responder: “entendi sua raiva. É natural sentirmos raiva quando alguém nos impede de fazer algo que queremos. Mas foi necessário interromper sua brincadeira… nem sempre podemos fazer tudo o que desejamos”. É claro que muitas atitudes dos pequenos como bater, jogar objetos ou gritar precisam ser corrigidas e contidas, mas isto não deve nos impedir de mostrar compreensão pelo sentimento da criança. Aos poucos, vamos ajudando-a a encontrar formas mais adequadas de reagir quando tais emoções reaparecerem. 

Muitos pais perguntam: “mas meu filho tão pequeno consegue entender?”. Podem acreditar: as crianças entendem muito mais do que podemos supor. Podem até não conseguir nos dar respostas verbais, mas seu nível de compreensão é superior ao de verbalização. Precisamos apenas ter o cuidado de sermos breves, claros (usando linguagem adequada) e pontuais em nossas falas, pois as crianças não conseguem sustentar a atenção por tempo prolongado. 

Outra dúvida frequente dos pais aparece quando eles próprios estão se sentindo tristes, com raiva ou frustrados, mas acreditam que seus filhos não poderiam saber disso, pois são pequenos e não podem fazer nada para mudar a situação. O maior problema é quando a criança sente que há uma incoerência entre o que ela percebe no ambiente e o que lhe é dito. Ou quando os pais alteram seu comportamento em função de seu humor e a criança fica sem entender o que está acontecendo. 

Não precisamos ter medo de sermos verdadeiros com nossos filhos. Não devemos entrar em detalhes desnecessários sobre nossos problemas, mas podemos sinalizar como estamos nos sentindo e tratar a situação com a naturalidade devida. Podemos dizer, por exemplo: “hoje estou me sentindo triste. Os adultos também ficam tristes às vezes. Aos poucos, vou me acalmar e conseguir encontrar uma forma de me sentir melhor”; “hoje tive um dia difícil em meu trabalho. Fiquei nervoso e preocupado. Vou precisar me acalmar para pensar melhor e encontrar uma forma de resolver alguns problemas”. Essas e outras frases ajudam a criança a entender que os sentimentos desagradáveis fazem parte da vida de todos nós e que podemos conversar sobre eles e vivenciá-los sem tanto medo ou constrangimento, pois nossas emoções podem ser transformadas ao longo do tempo e da experiência. 

Dessa forma, convido as famílias a exercitarem (além da capacidade de “ouvir”) o hábito de conversar sobre os sentimentos que nos acompanham nas diversas situações do dia-a-dia. Encorajar as crianças a expressarem o que sentem, demonstrar compreensão e compartilhar com elas aquilo que sentimos, tratando as emoções de forma natural e frequente, são ações que irão ajudar na construção de um ambiente favorável a um entendimento mútuo e a uma comunicação assertiva. 

Alessandra Janz Cheron (psicóloga escolar)